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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Cap.19 - A etapa final

Marcamos nossa saída para as sete da manhã, aproximadamente. Aquele seria um dia especial, onde passaríamos por experiências diversas. Podemos destacar a passagem por baixo da ponte logo no início do dia, a cobertura pela TV Gazeta de Alagoas e nossa chegada em Penedo, a maior das cidades visitadas ao longo de nosso trajeto.
A largada seria o mesmo ponto onde aportamos no dia anterior. Havia um pequeno grupo de pessoas no local - a maioria deles envolvida com nossa logística - que foram muito prestativos conosco. Ali ao lado o barco local nos esperava enquanto nossos amigos colocavam na água o jet-ski da Marinha e o barco dos Bombeiros. Só havia um probleminha, de difícil solução. Vejam a seguir o nosso grupo defronte ao barco disponibilizado pela prefeitura e prestem bastante atenção à foto para perceber o enorme e quase intransponível problema que se apresentava:


Aquilo poderia ser considerado um cataclisma natural, uma afronta e até mesmo um despautério! O barco tinha um emblema do Corinthians logo ali, embaixo da cabine do piloto. Foi um golpe baixo para o moral dos nadadores! Mas no esporte nem tudo é alegria. Tínhamos que aprender a superar os problemas e ali estava mais um deles.
Não está na foto acima, mas logo à esquerda, descendo o rio, encontraríamos a ponte. Dá sempre uma adrenalina mais forte passar sob pontes. A discussão naqueles dias era por qual lado deveríamos passar. Pela direita, sob o arco metálico, dizia-se que a profundidade era mais adequada, mas a correnteza era mais forte. Pela esquerda, estaríamos mais próximos das regiões de remanso do rio, onde as ilhas começam a surgir evidenciando um misto de beleza natural e o temor dos assoreamentos provocados pela ação do homem. (Acabamos passando pelo lado direito, com mais correnteza, mas infelizmente encontramos alguns intensos sinais olfativos da intensa presença humana na região por ali.)
Saímos sob os acenos amigos da população local e iniciamos nossa última etapa. A estratégia do dia seria a de nadarmos todos juntos - desta vez, era pra valer. A pressão pelo tempo era menor, já estávamos ambientados ao rio e projetávamos uma duração de um pouco mais de seis horas para superar o trajeto de 35 km que nos separava de Penedo.
Naquele ponto, o Rio São Francisco cortava a Zona da Mata, região conhecida por maiores índices pluviométricos, que se traduziam em paisagens mais verdes em seus arredores. A topografia também era mais plana e, ao longo do caminho pudemos ver vários campos de pastagens. Em determinados momentos onde nos distanciávamos um pouco mais uns dos outros - dentro do que poderia ser considerado tolerável para o conceito de "nadar juntos" - lembro-me de um diálogo curioso que tivemos, ao esperar o Tarzan e o Fabio, que vinham um pouco atrás e próximos a uns boizinhos que pastavam sossegadamente num grande campo às margens do rio. Para passar o tempo e nos divertir, tentávamos imaginar a conversa entre o Tarzan (afinal, ele era o Rei da Selva, ou melhor, o Rei do Cangaço) e o boi. Seria mais ou menos assim:
- Mim Tarzan. Você, boi.
- Muuuuuuuuuuuu, ele retrucaria de volta.
- Mim nadar. Você, pastar.
- Muuuuuuuuuuuuuuuu - enfaticamente, é claro!
- Mim ir embora. Você, ficar.
- Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu - já entoado com saudades...
Logo descobrimos por que eles vinham mais atrás - o Fabio estava com algum mal estar. Acho que era um pouco de dor de cabeça. Disponibilizamos todo o nosso arsenal de medicamentos - eu mesmo havia trazido dúzias deles, para os mais variados fins - para que ele tomasse o que mais lhe ajudasse. Enviamos o recado através dos Bombeiros e logo ouvimos notícia de que estava tudo sob controle.
O rio era bem largo naquela região. Sua profundidade era baixa - por vários quilômetros, nadávamos com cerca de três metros de água apenas, mas, por vezes, se mergulhava numa escuridão imensa, indicando um aprofundamento repentino de sua calha.
A esta altura do campeonato, já havíamos desenvolvido várias técnicas para analisar a direção da correnteza. Uma delas incluía mergulharmos até o fundo do rio, tocar suas areias e observar a nuvem que se levantava e que direção ela tomava. Para nossa surpresa, no entanto, nem sempre a direção indicada pela areia estava alinhada ao percurso que se vislumbrava na superfície. Aprendi mais tarde, fazendo minhas experiências, que a correnteza poderia estar levando o nadador para uma grande depressão na calha do rio. Era um momento em que as areias claras eram substituídas por uma cavidade enorme e escura. Não era bonito de ver, mas era o que tínhamos pela frente.
Nadamos com bastante tranquilidade nesse trecho. Um fato curioso ocorreu após umas 3 ou 4 horas de prova. Foi quando eu ouvi um zum-zum-zum danado proveniente de nosso pessoal de apoio. Eles estavam gritando entre si, sinalizando algo que deveria ser importante. Parei de nadar e olhei para trás e quase não acreditei no que vi. O Foschini havia se desviado gradativamente do caminho, virando, virando, virando, até que ele começou a nadar contra a correnteza. Isso mesmo - ele começou a subir o rio e nem se deu conta. E o pior: ele estava levando o Alessandro consigo!
Aquilo foi muito engraçado. Eu não conseguia parar de rir. Esperei o Foschini se achegar e não podia perdoar essa. Afinal, ele vivia dizendo que eu nadava torto - o que não deixa de ser uma verdade - e agora a situação se invertia. Não pude deixar de comentar carinhosamente como estava acostumado a ser tratado por ele:
- E aí, Pedro Bó! Querendo levar o Alessandro pra casa pelo rio? (O Alessandro é mineiro e é o que mora mais perto da nascente do Rio São Francisco.)
Como resposta eu ouvi algumas palavras desconexas e absolutamente insuficientes para justificar tamanho desvio de rota.
O ritmo nesta última etapa foi bastante tranquilo. Eu nadava, mergulhava até o fundo do rio para pegar conchinhas e espalhar a areia. Dava até para admirar um pouco da paisagem. Não tínhamos pressa, pois estávamos nadando todos próximos.
Chegando próximo à cidade de Penedo, o vento começava a importunar e a formar alguns maretões. Ainda assim, o ritmo era adequado para cumprirmos nosso horário. Até o ponto onde ficamos no meio do rio, em volta do barco dos bombeiros, esperando a equipe da TV chegar para nos filmar nesta etapa final. Ficamos ali papeando pelo menos uns trinta minutos - se não mais - matando o tempo. Dava para se avistar a cidade de Penedo ao fundo, no lado oposto do rio. Curiosamente, a largura do rio era aparentemente muito grande nesta região. Mas o que eu não havia visto era que Penedo ficava ligeiramente acima do ponto onde estávamos, isto é, teríamos que subir uma parte do rio para chegar até lá.
Mas como seria possível descer o rio e, ao avistar a cidade, ela já ter ficado para trás? Muito simples. Tão simples que não foi percebido por nós: havia uma ilha enorme no meio do rio e havíamos tomado o lado errado da ilha para nadar. Se, à montante da ilha, tivéssemos escolhido descer por seu lado esquerdo, daríamos de frente com a cidade. Como estávamos do outro lado, teríamos que subir uma parte do rio.
Depois de terminada a travessia, eu me perguntava por que eu não havia visto isso antes. Vejam o mapa do Google que eu consultei e isto ficará claro.


Como se vê (ou não se vê), havia muitas nuvens que nos impediam de identificar a ilha antes de Penedo. Vejam agora uma foto de outro satélite da mesma região, sem as nuvens.


Agora a ilha ficou bastante visível, não? Pois é. Faltou conhecimento e estudo do trajeto. Eu não estivera antes na cidade e desconhecia totalmente o fato. Talvez o Foschini pudesse conhecer, mas ele não se manifestou em momento algum sobre a rota alternativa.
Após uma certa espera, o barco trazendo os cinegrafistas da TV Gazeta chegou e pudemos retomar nossas braçadas no trecho final. Nadávamos todos juntos para aparecermos todos na mesma tomada da filmagem. Mas a fama dura pouco e logo tivemos que voltar a encarar o ocaso de nosso desafio, que nos reservava uma situação inesperada: subir o rio algumas centenas de metros.
Eu não fazia a menor ideia que estávamos subindo o rio. Sentia que estava fazendo mais força que o normal e que o rendimento não era o mesmo, mas estava lentamente avançando em direção ao meu objetivo. Logo cruzei com o Fabio que, ofegante, me disse que não iria conseguir chegar naquelas condições. Para minha surpresa, o barco da prefeitura encostou e, um após outro, foi arrebanhando os cinco nadadores para uma ajudinha de alguns metros rio acima. O nadador se agarrava às defensas do barco e ele os rebocava arrastando-os pela água. Aquilo não deve ter durado nem mesmo um minuto e nos impulsionamos lateralmente no casco do barco para nos afastarmos do mesmo e, com isso, evitar ser puxados por sua hélice, situada na popa. Ainda restavam algumas poucas centenas de metros até a chegada. Por estarmos nadando contra a correnteza, não havia espaço para esmorecimento. Impus um ritmo forte, aproveitando o máximo possível a excursão de meus braços, com ampla rotação de ombros e forte batida de pernas. Ainda estava sobrando energia. Pensar que logo estaríamos chegando era extremamente recompensador.
Aos poucos observei a margem e os contornos das construções tomando forma. Nos poucos momentos em que a cabeça estava fora da água, era possível ouvir os fogos de artifício estourando no ar em nossa homenagem.
Havia uma balsa ao lado do local de chegada - uma grande chata que fazia a travessia de carros e pedestres entre Alagoas e Sergipe. Eu estava chegando à jusante da balsa, enquanto a chegada estava à sua montante. O barco da Marinha veio para me reorientar e apontar o caminho. Eu sinalizei que entendi sua orientação, mas meu trajeto fora proposital, com o objetivo de conseguir nadar um trecho na sombra da balsa. Faltava pouco, mas os metros finais foram nadados na direção oposta à correnteza - não mais obliquamente à mesma - o que aumentou a dificuldade do trecho. As lembranças dos longos treinos nadados nessas horas me deram toda a autoconfiança necessária para chegar ao final. Mas estava sobrando braço naquela hora!
Parei a poucos metros da chegada. Havia autoridades ali para me receber. Percebi que eu era o primeiro a chegar. Os pés já alcançavam o leito do rio. Olhei para trás e procurei por meus companheiros, mas em vão - naquela imensidão de água não era possível visualizar os demais nadadores. Lentamente me encaminhei em direção à margem, onde uma mão amiga se estendeu e me deu a firmeza necessária para finalmente colocar os pés em terra firme.
Como disse o padeiro pro John Lennon: "o sonho acabou". Agora era a hora de comemorar. Fui recebido pelo prefeito de Penedo e a primeira dama, assim como pelo Capitão Alexandre, da Capitania dos Portos de Maceió. Havia tendas montadas, com a banda local, a Fênix, tocando músicas locais e muitos jovens dançando em nossa homenagem numa festa linda e inesquecível. A população local também compareceu em peso para prestigiar. No meio da multidão pude logo avistar o Pérsio, meu irmão, que viera de Aracaju para me recepcionar e compartilhar de nossa alegria.
Poucos minutos depois chegaram meus companheiros: Rodrigo Cavalcante (Tarzan do Cangaço), o Alessandro e por fim, juntos, o Fabio e o Foschini.
Independentemente das distâncias nadadas por cada um de nós - meus 170 km, o Fabio, Alessandro e o Tarzan com admiráveis 153km e o Foschini com seus 118 km - o sucesso do projeto estava na mensagem que trazíamos em comum: "Preservem o Rio São Francisco!"

A descrição da festa eu deixo para o próximo capítulo. Não percam!



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