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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Cap.13 - Desafio gigantesco - parte II

O tempo foi passando, eu seguia lutando contra as ondas e lentamente os fatos passaram a fazer sentido para mim. Primeiramente soube dos mantimentos - o Foschini e nosso companheiro Eugênio estavam no barco sem ter o que comer. Pelo que entendi mais tarde, eles "filaram uma boia" do piloto, mas não era suficiente. Não devia estar fácil para eles ali também. E a cidade de Traipu que não chegava nunca!
Num determinado momento eu, já ligeiramente cansado e estressado, perguntei pro Foschini:
- Afinal, falta quanto?
Ele me respondeu:
- Tá vendo aquela igrejinha lá naquela margem?
- Tô - eu menti de volta. Eu não enxergava mais muita coisa àquela altura do campeonato.
- Ali o rio vira para a esquerda. a cidade é logo depois da curva.
Como se eu não conhecesse essa velha história de barqueiros que dizem que seu objetivo está logo depois da próxima curva, eu insisti na pergunta:
- Quantos quilômetros depois da curva?
- Seis - o Foschini chutou. Ele não sabia, mas como eu insisti, ele tinha que me passar alguma informação que eu considerasse crível. O pior foi que havia um rapaz sentado no teto do barco que confirmou aquela versão e eu passei a nadar orientado por aqueles números.
Já eram cerca de 15 ou 16 horas quando soube que meus colegas que vinham mais atrás escoltados pelos Bombeiros haviam parado. Não sei ao certo, mas eles devem ter nadado uns 35 a 40 quilômetros até aquele momento. Mais tarde compreendi o que aconteceu: os Bombeiros corriam o risco de ficar sem combustível, pois o tanque extra estava sendo transportado no nosso barco, que se desgarrou sem avisá-los. Então eles se viram forçados a tirar os três nadadores da água para que o combustível restante fosse suficiente para alcançar o nosso barco, mais à frente. A história que eu ouvi ao final do dia e que faz um certo sentido é que não haveria tempo para completar a prova durante o dia, então a perda não fora assim tão grande. Mas conhecendo um nadador de longa, aposto como nenhum dos três se conformou com o fato. São três heróis, que não fugiram ao compromisso e nadaram o quanto lhes foi permitido. Sinto orgulho de sua dedicação e seu empenho!
Logo, o barco dos bombeiros se aproximou, se abasteceu com a gasolina provida do nosso barco e eles passaram a me prestar todo o apoio necessário. Como eu era o único na água, não havia necessidade do segundo barco estar logo ali, ao meu lado. Então, o barco da prefeitura foi dispensado de continuar me acompanhando e navegou até próximo de nosso ponto de chegada, levando consigo o Foschini, o Alessandro e o Tarzan. O Fabio ficou junto com os bombeiros para me dar uma força nesta fase final, que é tão importante. Aos poucos ele foi me explicando - a cada parada de alimentação - o que havia se passado e por que eles estavam ali.
Com a presença dos Bombeiros e seu fabuloso GPS, foi possível dizer com precisão a distância faltante e eliminar os achismos anteriores. Lembro-me de alguns relatos na faixa dos 13 km que (muito) lentamente iam se reduzindo até a cidade. Após a famigerada curva, ainda tínhamos 8 km para nadar. Até que o chute do Foschini não tinha sido assim tão fora da realidade. Mas as impiedosas ondas continuavam altas e fortes. Eu já não sentia mais aquele bom rendimento das primeiras horas - estava esgotado e absolutamente centrado na ideia de chegar.
Os Bombeiros não saíam do meu lado - aquilo não ajudava fisicamente, mas representava um apoio psicológico importantíssimo para uma mente esgotada. Aquilo me lembrou de minhas chegadas na 14 Bis, onde temos a impressão que um conselho a três quilômetros do final vale mais do que um em início de prova.
Quando faltavam uns 1500 metros para eu chegar, o Foschini, o Alessandro e o Tarzan pularam na água de seu barco, que estava a cerca de 600 metros da chegada. O Fabio continuou no barco dos bombeiros, viu aquilo e não gostou.
- Eles vão chegar na sua frente, sem ter nadado o trajeto todo. Isso não pode! - dizia ele, além de outras expresssões de desagrado com esta situação que escutei dele naqueles metros finais.
Eu não quero tirar-lhe nem dar-lhe razão - na verdade eu não tinha condição de pensar em nada mais naquele momento senão chegar. Tanto que pouco reagi aos comentários e pouco me importava o que estava se passando neste quesito.
Os Bombeiros me acompanharam até um ponto no rio exatamente frontal a uma pequena baía onde uma multidão se amontoava à beiro do rio para nos receber. Dali em diante era comigo. Deviam faltar uns quatrocentos metros apenas - impossível dar alguma coisa errada.
Pois deu. Devido às fortes ondas contrárias e à minha baixa visibilidade, eu fui levado para cima do rio e, quando percebi, a cidade não estava mais à minha frente. Senti-me um tanto perdido. Os Bombeiros foram pacientemente até onde eu estava para me reorientar, com um ar de riso nos lábios. Acho que era difícil de entender como foi que eu consegui me perder estando tão perto. Novamente mais uns quinhentos metrinhos - eu estava quase lá!
Havia umas seiscentas pessoas - estimo - mas alguns falam em mil - à beira d'água olhando para mim. Eu parecia um alienígena vindo de outro planeta sendo seguido por aqueles olhos incrédulos. Mais à direita - na parte mais baixa do rio - havia uma rampa de acesso onde estavam as autoridades locais - a prefeita, alguns secretários e assessores. Devido ao estado em que me encontrava, eu simplesmente não os vi - juro, não fiz por mal. Ao buscar o ponto de saída da água, mirei em algumas pedras grandes e para lá fui nadando. O rio não era raso ali, por ser uma região onde atracavam os barcos, mas eu finalmente apoiei meus braços naquele matacão umedecido e o escalei com um misto de cansaço e realização. A população estava ali, a meio metro de mim, e não sabia como me ajudar. Foi quando eu comecei a me embrenhar por aquele povo, feliz de tocar o chão novamente com meus pés, sob os aplausos e os cumprimentos de uma população simples e sofrida. Aquilo a gente via estampado em suas faces enrugadas e queimadas do sol. Muitos me davam a mão, outros me abraçavam, outros tiravam fotos, todos aplaudiam. Fui paparicado demais! Bela recompensa. Inesquecível.

A população compareceu em massa à nossa chegada em Traipu. Foi o evento do ano!

Rapidamente um dos assessores surgiu no meio da multidão e me conduziu até onde estavam as autoridades locais, com quem dialoguei por alguns instantes.
Poucos minutos mais tarde, chegaram nadando o Alessandro, o Foschini e o Tarzan. Eles chegaram pela rampa correta, onde eu agora me encontrava. Foram ovacionados também pela população local. O Fabio não quis chegar nadando, por sua opção, que eu entendo e respeito.
Eram 17:45h. Eu havia nadado quase doze horas e completado o percurso neste duro segundo dia de prova. Com isso, a moral natatória de nosso projeto estava mantida. Para lutar por uma causa - no caso, a preservação do Rio São Francisco - o fato de atingir seus objetivos confere ao evento uma tonalidade especial. Aliás, todos estavam de parabéns - o Alessandro, Fábio e o surpreendente Tarzan do Cangaço foram valentes e destemidos - nadando seus trajetos naquele dia com muito foco e dedicação. Até mesmo o Foschini, em seus cinco quilômetros nadados naquele dia, colaborou para o sucesso do projeto.
Fatos curiosos - alguns engrandecedores, outros nem tanto - se sucederam após a chegada em Traipu - que passo a descrever sucintamente nos próximos capítulos. 
Conto com sua prazeirosa companhia nos textos a seguir!

4 comentários:

  1. Nossa , Percival ! Doze horas ... senti muito sofrimento. Em algum momento desse percurso, onde bateu um sentimento forte de desistência, dá pra comparar ao Canal da Mancha?

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  2. TENHO GRANDE ADMIRAÇÃO POR TODOS VOCES...ALESSANDRO, FABIO, PERCIVAL, FOSCHINI E TARZAN) PARABÉNS GUERREIROS !

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    1. Obrigado, Lucia!
      Que bom que você - e tantos outros que já me escreveram - saiba aproveitar as boas lições desta história. Aguarde, ainda tem muito mais!

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  3. Lucia,
    Obrigado por seu comentário, sempre positivo!
    No Velho Chico não havia problema de temperatura da água - nesse aspecto, o Canal da Mancha judiou muito. Mas curiosamente eu não pensei em desistir no Canal, como aconteceu no Velho Chico. Talvez por que a dimensão do desafio fosse mais conhecida.
    O que me desestimulou no Velho Chico e que me fez pensar em desistir naquele segundo dia foram:
    1. as ondas que castigavam onde quer que o nadador estivesse. Eu senti na pele o problema e só aprendi a conviver com ele no dia seguinte - você vai ler em breve!
    2. ninguém havia feito aquela travessia até aquele momento - era difícil saber quanto faltava, onde estávamos, como seriam os próximos quilômetros, etc.
    3. o apoio recebido no Canal era absolutamente superior.

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